Konichiwa!
Neste post vou desabafar um pouco. Tetsuya-san, a pessoa me disse para aceitar tudo. Eu sinto que nestes últimos dias fiz um grande esforço para aceitar as coisas que aconteceram mas ainda falta aceitar o meu sentimento de vontade de chutar o balde. Nem tudo é um mar de sakuras em uma longa caminhada como é a peregrinação de Shikoku. E sinto que é bom falar um pouco dos momentos ruins também. E como estou escrevendo um par de dias depois das coisas terem acontecido, até consigo olhar com bom humor.
Faz parte do caminho.
Depois que me despedi de Dean, o californiano gente boa que mora por aqui, fui me aproximando da cidade de Kochi, capital da provincia de Kochi, e uma das poucas cidades grandes que atravessamos na peregrinação. E atravessar uma cidade grande no meio de uma peregrinação longa é uma tarefa nada agradável.
Eu vinha de muitos dias andando em lugares calmos, entre montanhas, mar, florestas, praias, pequenas vilas, pessoas muito hospitaleiras e, de repente, senti que o ambiente mudou. Tráfico, barulho, dificuldade para achar a sinalização da trilha dos o-henros, tentar achar um lugar barato para dormir e comer, tudo ficou mais dificil assim que me aproximei de Kochi. Minha energia baixou, a irritação aumentou, senti um cansaço mental.
As cidades grandes podem ter muitos lugares atrativos para conhecer mas não são ambientes muito agradaveis para um peregrino. Imagine atravesar São Paulo ou Buenos Aires a pé, vestido de o-henro. Kochi é bem menor, lógico, mas é cidade grande também.
A vontade é de sair o mais rápido possível da barulheira. E como toda cidade grande, Kochi tem varias cidades no seu perímetro urbano. E muitos templos estão localizados em Kochi e seus arredores. Então demorei quase 4 dias desde a chegada ao perímetro urbano de Kochi até sentir que tinha me afastado da barulheira e voltado a entrar novamente num trecho calmo do caminho.
Mas isso ainda não diz nada ainda sobre o que aconteceu nesses dias.
Enquanto eu andava pelas vilas pequenas das últimas semanas, sempre foi muito fácil encontrar alguém disposto a ajudar. Em qualquer situação. E os o-henros, especialmente, são muito bem recebidos e respeitados.
Numa cidade grande não é assim. Está cheio de gente mas poucos tem tempo e disposição para ajudar. E um gaijin vestido de o-henro assusta um pouco numa cidade grande.
"Gaijin" é a maneira de chamar os estrangeiros no Japão, de forma um tanto preconceituosa e despectiva, segundo os próprios japoneses me explicaram. Se te chamam de "gaijin san" , tudo bem, não tem preconceito. Quando chamam somente de "gaijin" tem bastante preconceito. Foi o que me explicaram.
E nos dias em que atravessei a região de Kochi escutei algumas pessoas apontando para mim e me chamando de "gaijin". Não foram muitas, e para falar a verdade, muita gente me ajudou e vou devidamente lembrar deles depois de me permitir chutar o balde (coisa que ainda não fiz).
Só que eu ja estava irritado com o barulho da cidade, de ter perdido varias vezes o caminho, da dificuldade para encontrar ajuda e meu nível de paciência estava bem baixo.
Então aconteceram duas situações nas quais chutei o balde. A primeira situação aconteceu quando eu estava esperando para atravesar um sinal numa avenida e crucei com um carro com 4 muleques de 18 a 20 anos dentro, que também estavam esperando o sinal abrir. Começaram a olhar para mim e dar risadas e escutei um deles me chamando de "gaijin". Aí não aguentei e olhei para os 4 dentro do carro e apontei o dedo medio bem na cara deles. E falei em português mesmo: "vão se f...!". Os caras não entenderam nada e sorte minha que o sinal abriu e não pararam para me dar porrada e que sairam um pouco assustados até.
Pouco depois, também no transito, um carro parou do meu lado num outro sinal e dentro estava um senhor com sua filha. Uma menina linda de uns 9 ou 10 anos. Só que essa menina linda apontou para mim e também começou a rir e fez um sinal para o pai e me chamou de "gaijin". Eu ja fiquei mal com isso. Mas como era uma criança, segurei minha vontade de estrangulá-la. Só que o pai pai olhou para mim e começou a rir da minha cara. E tambem me chamou de "gaijin". Ai não resisti e olhei com a melhor cara de "gaijin malvado" que deu para fazer e falei: "gaijin é tua mãe!". Eu devia ter tirado uma foto com a cara de susto dele. O cara acelerou e fugiu do local.
Desculpe, Kobo Daishi, mas devo admitir que me senti aliviado depois de ter feito isso. E, surprendentemente, ninguem mais me chamou de "gaijin" depois disso. Bom, pelo menos ninguem o fez apontando na minha direção e rindo na minha cara.
Para completar minha fase politicamente incorreta, no meio dessa caminhada por Kochi e arredores, encontrei com uma senhora americana, também o-henro. Devia ter uns 65 anos e andava muito lentamente. Quando passei por ela, senti uma voz dentro de mim dizendo: " não para, fala goodbye e segue teu caminho, não para!". Mas a mulher, que estava andando bem cansada, me cumprimentou e, logicamente, surpresa de ver outro gringo, começou a puxar conversa. Meu corpo dizia: "vai embora!". Mas minha mente falou: "não custa nada conversar um pouco". E acabei não obedecendo meu corpo e caminhei um par de horas junto com ela até o próximo templo. Essas duas horas foram muito chatas... A mulher é daquele estilo (ja avisei que o post é politicamente incorreto) "branca, aposentada, de país rico, intelectualoide sabe tudo". E as pessoas dessa categoria em geral são chatas. Tem gordas aposentadorias, nada para fazer, muitos anos de vida pela frente e tem opinião formada sobre tudo. Sobre o Japão, o budismo, os templos, etc, etc. Um papo intelectualoide muito chato.
Quando cheguei no templo seguinte, me afastei dela e disse que ia rezar e depois ia andar sozinho. Fiz minhas orações e segui viagem, aliviado. Mas...a coisa não parou por ai... Andei mais um tempo aquele dia, visitei outro templo. E fiquei muito cansado. A conversa com a mulher me sugou muita energia. Não sei porque. Não foi somente a chatice da conversa. Algo aconteceu no encontro com ela e minha energia baixou muito. Alguma projeção?
Aquela noite me hospedei num minshuku e na hora do jantar fui sentar na mesa e quem estava lá??? Ela, lógico!. A americana aposentada branca chata... E a dona do minshuku, ao ver dois estrangeiros hospedados, por gentileza, tinha reservado um lugar para mim em frente de minha "amiga". Não sei o que rolou mas eu não aguentava mais escutar a voz dessa mulher. Olhei a TV que estava ligada e estava passando o jornal. Deu para ver que estavam falando dos testes com misseis que a Corea do Norte está fazendo (no Japão se fala o dia inteiro nisso, fica muito perto daqui). E foi então que a Coreia do Norte salvou minha vida. A minha "amiga" começou a falar sobre política (aghfff) e começou a criticar Coreia do Norte, Iran, Venezuela, etc etc.
Interiormente tive um impulso perverso de ser muito politicamente incorreto e desta vez segui meus impulsos. Comecei a detonar Estados Unidos (sorry, Dean e todos os americanos gente boa que eu conheço, não tenho nada contra teu país, mas foi a solução que achei no momento). Comecei a dizer que os americanos estão cheios de armas nucleares e são muito hipócritas ao reclamar de quem faz testes com armas nucleares. E para detonar de vez com a mulher, falei com o peito bem cheio que eu admirava Coreia do Norte, Iran, Hugo Chavez e qualquer um que desafiasse Estados Unidos. Que achava esses caras corajosos de enfrentar os americanos.
Aiii...a mulher começou a olhar para mim sem acreditar! A cara de espanto dela merecia uma foto. Eu não sou a favor de nenhum desses caras. Mas a estrategia funcionou. A minha "amiga" calou a boca. Terminamos o jantar em silêncio e ela mal disse boa noite para mim. Deve ter tido pesadelos aquela noite. Nem preciso dizer que na manhã seguinte a mulher me viu e só falou "bom dia", sem esboçar nem um comentário.
Agora, para ser justo, nos dias em que atravesei Kochi e as cidades próximas a Kochi, visitei templos muito lindos. Um especialmente fica do lado de um enorme e lindo jardim botanico. Nos templos sempre fui muito bem recebido. Recebi o-setais. Mesmo em Kochi encontrei gente muito boa. Por exemplo, na oficina de turismo, onde me ajudaram com muita gentileza a encontrar um hotel barato. Na rua também teve gente que me ajudou quando eu me perdi. Lembro que um dia errei o caminho para visitar um templo e quando me dei conta ja estava uns 5 km a frente. Me aproximei de um casal para perguntar pelo caminho certo e muito gentilmente me ofereceram carona até o templo. Arigatou! Teve um monje em um dos templos que visitei que falava muito bem inglês e me ajudou a fazer uma reserva num minshuku. Arigatou!
Agora estou entre os templos 36 e 37, com mais de 400 km andados.
Ontem andei por uma carretera lindíssima, a Yokonami Skyline road, na península de Yokonami, com vistas para o Pacífico de tirar o fólego.
E espero poder encontrar internet free para colocar estes texto e algumas fotos e para ler um pouco de noticias do outro lado do mundo.
Matané!
Me has hecho reír con la puteada en japones/ portugués. Yo pensé que parte de la enseñanza del viaje era aprender a lidiar con gente distinta a uno, a estar en un ambiente hostil y mantener la calma. Si lo logras, vende la formula. Nada. Pensa que todo suma. Hasta la pendex irreverente o la yanki insoportable. Ohmmmmm. Fer
ResponderExcluirBom Dia Ricardo
ResponderExcluirQuanta coisa acontecendo hein !!!
Mas como nada acontece ao acaso é muito legal ir vivenciando e imprimindo na mente todas estas passagens.
Segue aqui no Blog uma musica que fala muito do "TUDO ESTÁ BEM".
O nome da musica é Rinkia
Todo está bien, detrás del disfraz
Todo está bien al pulsar de lo real
Todo está bien, aun si tú no estás
Aun si el mundo cruje
Aun si un niño escama
Por que el niño, el mundo y tú
Son una flor.
Todo está bien aquí, ahora
En esta eternidad
Se esfuma el tiempo
Ya no existe más
Y sin embargo, tengo más tiempo
Es todo ahora, es todo aquí
El mundo entero está danzando para mí
Yo no danzo, solo contemplo
Y sin embargo estoy bailando
En cada hoja de esta selva de amor
El gran teatro del mundo se me abre
Todo está bien al saber que soy actor
Y aun mejor si escribo el guion
Y decido ser feliz
Y traspaso esa verdad a las sombras cotidianas de la ilusión
Todo está bien aquí, ahora
En esta eternidad
Me esfumo entero y ya no existo
Y sin embargo existo mucho más
En cada nube, en cada estrella
El mundo entero está danzando para mí
Yo no danzo solo contemplo
Y sin embargo estoy bailando
En cada gota de este mar de amor
Isso que foram somente 4 dias as pessoas chamando vc de gaijin, imagina o que é uma vida inteira ficar escutando, Joaoponês, Japoneusa, musiquinhas ridículas, piadinhas e outras brincadeirinhas que todo mundo gosta de fazer... até hoje...
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